Sabe aquela situação que tinha tudo pra dar
errado e acaba dando um revertério? Pois é, foi assim que fiquei
amiga dela, há
quinze anos.
Meu chefe entrou na minha sala e disse:
“Andréa, você vai atender mais uma mãe, só que essa daí vem de Vitória e me parece
que a família tem um poder aquisitivo bom, então pode ser que ela chegue aqui
`tipo madame`, com o nariz em pé. Não abaixe a cabeça e eu não quero saber de
tratamento diferente pra ela, entendeu?”. Eu, meio tonta, respondi um “sim
senhor” automático.
Não deu muito tempo, entrou na minha sala
uma senhora sorridente perguntando: “Oi, tudo bem, você que é a Andréa? Eu vim
de fora e estou meio perdida aqui sabe...”. Eu me levantei e estendi a mão
respondendo, “sim, sou eu mesma”. Ela me puxou pra um abraço e me deu dois
beijinhos no rosto, falando: ”Ah que bom te conhecer pessoalmente, meu filho
fala tanto de você nas cartas dele, muito prazer!”. Eu respondi “O prazer é meu
Dona Graça...”, ela já foi me cortando “Dona?, eu não sou tão velha assim. É
Graça!”. Foi empatia à primeira vista.
Depois do atendimento ela me perguntou se
havia um lugar pra almoçar ali por perto, porque ela teria que voltar à tarde.
Eu indiquei um restaurante e ela fez questão que eu fosse com ela, pra não
ficar sozinha. Ficamos duas horas batendo papo como se nos conhecêssemos há uma
vida. Ela me contava coisas da minha terrinha e eu contava a ela como eram as
coisas aqui. E virou tradição os nossos encontros e almoços mensais, e, entre
eles haviam telefonemas quase todos os dias.
Conheci a família dela quase toda. De vez em
quando ela trazia alguém com ela: o marido, a filha com a neta... E todos já
chegavam sabendo quem eu era. Ela me chamava de “filhota”.
Quando o filho dela foi embora, acabaram-se
nossos encontros pessoais e passaram a ser virtuais e por telefone. A gente se
falava todos os dias. Ela sabia como eu estava só de ouvir minha voz ou ler o
que eu escrevia pela net, a danada tinha um sexto sentido de mãe comigo.
Ela queria saber tudo: se eu estava
namorando, por que não estava, se eu ficasse doente sempre tinha uma
receitinha, comentava minhas fotos, adorava minhas bocas do face.
O filho dela, a gente falava que era “nosso
menino”, um código criado por nós. Ela sempre me perguntava por ele quando ele
estava aqui, e, depois que ele foi embora, era ela quem me dava notícias dele.
Se ele ficava doente, quando ele foi papai, quando ele começou a trabalhar... nossa, como ela ficou feliz!
Não tinha explicação. Como duas pessoas que
não se viam há quase sete anos mantinham um laço tão forte? Às vezes eu pensava
em qual seria a opinião dela sobre alguma coisa, não dava outra estava lá uma
mensagem dela perguntando se estava tudo bem comigo e ficávamos madrugada a
dentro conversando.
Guardei isso comigo todos esses quinze anos,
mesmo na época em que a gente se encontrava, fizemos um pacto por motivos
éticos. Era uma ligação, pra quem acredita, que vinha de outras vidas. Pra mim
era a única explicação cabível.
No dia 16 de março, eu estava trabalhando
quando meu telefone bipou. Peguei para ver o que era e apareceu
escrito na
minha linha do tempo pelo face dela “Graça faleceu dia 12 e foi sepultada dia
13”. Na mesma hora eu dei uma resposta malcriada e cheia de palavrões, pensando
em qual desocupado teria invadido o face da minha amiga e feito uma brincadeira
dessas. Mas, a noite, o marido dela entrou in box e me contou que ela estava doente há muito tempo, me contou o nome da doença, e disse que no dia 08 ela não aguentou e ele teve que leva-la ao hospital, foi para a UTI, e, no dia 12 ela foi embora. Perguntei a um médico sobre a doença e ele me disse que para ela chegar ao ponto de ir para a UTI, ela deveria estar acamada há meses e com uso de oxigênio. Eu só não falava com ela há uma semana, como assim?
Fiquei imaginando minha amiga na cama,
doente, me enviando mensagens engraçadas, picantes, me dando conselhos, mas, em
momento algum me contou que estava doente. Por que? Será que sua generosidade foi
tão grande a ponto de continuar agindo comigo como se estivesse tudo bem para
que eu não sofresse? Será que sua preocupação com o outro ultrapassou a
preocupação com seu próprio bem estar? Infelizmente essa resposta foi com ela,
agora, meu Anjo.
"Me mostre um caminho agora
um jeito de estar sem você
o apego não quer ir embora
diaxo, ele tem que querer."